Revolução e aspiração – os vintage icônicos


Alguns equipamentos modificaram de maneira decisiva a música e a indústria com suas inovações. Conheça dez dos instrumentos mais marcantes da história, aqueles nos quais todo músico gostaria de tocar

A cada dia os instrumentos musicais eletrônicos são aperfeiçoados e novas tecnologias incorporam mais e melhores recursos aos equipamentos. No campo dos sintetizadores, isso possibilita a criação de timbres nunca antes imaginados, envelopes complexos e sonoridades surpreendentes. A tecnologia de sampleamento permite que um equipamento de custo acessível possua timbres de instrumentos acústicos absolutamente realísticos. Por que, então, os instrumentos vintage continuam sendo a grande aspiração de qualquer tecladista? Por que se paga muito mais caro por um sintetizador analógico, monofônico, sem nenhuma espécie de memória do que, às vezes, um instrumento de última geração? Por que certas sonoridades só são obtidas com esses instrumentos?

A verdade está lá fora
Muito pode ser falado sobre os equipamentos lançados no mercado atualmente. Que todos eles trazem grandes possibilidades ao músico, não resta dúvida. Assim como é unanimidade a qualidade sonora e a facilidade de manuseio. Também não se pode negar, porém, que poucos conseguem imprimir uma marca com sua sonoridade. Embora cada modelo possua características próprias, perceptíveis aos ouvidos mais atentos, a grande variedade de patches faz que esse parâmetro indelével – a personalidade – se perca. Um timbre de piano soa como um piano em um instrumento atual de qualquer marca, obviamente com sua própria personalidade, mas sem nenhuma característica suficientemente forte que o diferencie de todos os outros e o faça ser reconhecido por si só. Apesar da tecnologia incipiente que os instrumentos criados há três décadas ou mais carregam, suas personalidades são mais marcantes do que qualquer lançamento dos últimos anos. Essa é a principal razão pela qual ainda são procurados, seus timbres copiados e suas interfaces com o usuário, simuladas.

Fora isso, os instrumentistas da época fizeram que os equipamentos ganhassem “alma”. Cada um deles conseguia extrair o melhor de seu sintetizador, pesquisando, explorando, arriscando e, finalmente, fixando uma nova sonoridade no mundo da música. Quem hoje possui motivação suficiente para explorar absolutamente todos os recursos de um teclado de última geração imaginando que, daqui a alguns meses, esse equipamento será considerado obsoleto?

Nada se compara ao “peso” da sonoridade de um sintetizador analógico e, por mais que a amostragem digital e a síntese avancem, as sutilezas da formação do som, os pequenos “defeitos”, as diferenças existentes nos teclados de tecla para outra, as incertezas da resultante de uma programação e outros fatores menos glamourosos tornam o som mais “natural”, enquanto os atuais chegam a ser tão perfeitos que beiram a artificialidade. E, para suplantar essa barreira, os programadores, cada vez mais, estão inserindo as características mais marcantes – e menos perfeitas – dos vintage.

Mas não podemos nos esquecer de que os “antiguinhos” tinham seus problemas, e que esses não eram poucos. O que também os torna interessantes, porém, é perceber como tecladistas inspirados venciam os desafios propostos por essas máquinas e conseguiam fazer música de qualidade. Isso nos faz pensar o quão longe chegamos, se analisarmos de onde partimos. Cada nova conquista da tecnologia era aplicada a esses instrumentos e outros desafios eram criados. Alguns equipamentos foram provocadores de uma verdadeira revolução e criaram perspectivas para a indústria de instrumentos musicais eletrônicos, enquanto outros adicionaram pequenas evoluções que se tornaram padrão. Nesse panorama, escolhemos dez sintetizadores que revolucionaram a criação musical. Obviamente, algumas máquinas fantásticas ficaram de fora desta lista. Mas, sem dúvida, as apresentadas aqui são unanimidades.

 

OS MONOFÔNICOS

ARP 2600 E ARP ODYSSEY (1970)
Quem assistiu a “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” viu um ARP 2500 em ação. Esse modelo foi o primeiro sintetizador ARP e foi planejado por Alan J. Pearlman para ser utilizado em escolas de música. Sua ideia era criar um instrumento que possuísse as funções básicas da síntese sonora, em módulos para serem interligados. Em vez de utilizar chaves e botões, as conexões eram feitas por cabos para que os alunos pudessem aprender e visualizar melhor os caminhos utilizados, além, é claro, de baratear os custos. O modelo 2600 surgiu do desenvolvimento desse sistema. Pearlman colocou gráficos no painel frontal e dotou o sistema de conexões pré-ajustadas de fábrica, que podiam ser modificadas pela adição dos cabos. Com isso, um iniciante em síntese conseguia utilizá-lo, enquanto para desenvolver sistemas mais complexos bastava usar cabos conforme o necessário. Além disso, o fundador da ARP diminuiu o tamanho de seu equipamento. Tal fato permitiu que fosse transportado com “certa facilidade”, graças ao gabinete de metal. Possuía três osciladores independentes, cinco formas de onda – pulso, triangular, senoidal, quadrada e dente-de-serra –, um filtro passa baixa, ring modulator, envelopes ADSR e AR, saídas estéreo e controle de pan e portamento.

Ouça

“Dig Your Own Hole” – Chemical Brothers
“Zoo Look” – Jean Michel Jarre
“Closer” – Joy Division
“Flowers of Romance” – PIL
“Who Are You” – The Who

https://www.youtube.com/watch?v=PdLIerfXuZ4

 

 

MOOG MINIMOOG (1970)
O MINIMOOG nasceu do conceito de colocar os recursos básicos do Modular Moog em um sintetizador compacto que pudesse ser programado sem a utilização de cabos. A intenção era permitir aos músicos que utilizavam o sintetizador modular levar a mesma sonoridade para seus shows. O único modelo de MINIMOOG efetivamente produzido foi o modelo D, com alterações em relação ao Modular Moog e seus predecessores (A, B e C, logicamente), mas com as mesmas características básicas. É um sintetizador analógico com 44 teclas e prioridade para a última nota tocada. Possui três osciladores independentes que produzem frequências desde subsônicas até supersônicas. Um dos osciladores pode ser configurado como modulador. O equipamento possui também entrada de áudio para processar sons externos em seus circuitos. O painel de controle pode ser levantado ou abaixado, conforme a conveniência do músico. O mais inovador, porém, foi a adição dos controles de modulação e pitch por meio de rodas – Modulation Wheel e Pitch Bend Wheel – utilizados até hoje.

Ouça

“The Six Wives of Henry VIII”, The Journey To The Centre Of The Earth”, “The Myths and Legends of King Artur and The Knights Of Round Table” – Rick Wakeman
“Neon Light” – Kraftwerk
“Tom Sawyer” – Rush (Geddy Lee)
“Relayer” – Yes (Patrick Moraz)
“Animals” – Pink Floyd (Rick Wright)

https://www.youtube.com/watch?v=bRfxSLcmx7s
OS POLIFÔNICOS

SEQUENTIAL CIRCUITS PROPHET 5 (1978)
Descrito em seu lançamento como “5 Minimoogs in one box” (cinco Minimoogs em uma caixa), o Prophet 5 roubou a cena como o primeiro sintetizador polifônico viável e comercialmente interessante. Seu grande trunfo foi a capacidade de conseguir executar cinco notas ao mesmo tempo e armazenar todos os parâmetros de cada timbre em bancos de memória, 40 ao todo. Embora seja considerado uma máquina estritamente analógica, esse equipamento é, na verdade, híbrido analógico/digital, assim como muitos dos sintetizadores que o seguiram. Suas características básicas são: cinco vozes, com dois osciladores por voz, filtro low-pass, dois geradores de envelope ADSR – um para o filtro e outro para o amplificador, gerador de ruído, Pitch e Modulation wheels. Além disso, possui a capacidade de ajustes diferentes para cada uma das 12 notas de uma oitava, permitindo a utilização de escalas de afinação diferenciadas, recurso disponível hoje em vários modelos de synths. A Sequential Circuits desenvolveu também um seqüenciador polifônico (não MIDI) compatível com o Prophet 5 e o incorporou a um instrumento – o Prophet 10 – na verdade dois Prophet 5 e um seqüenciador no mesmo gabinete.

Ouça

“Shout” – Tears For Fears”
“Tron – Trilha Sonora” – Wendy Carlos

 

 
OBERHEIM OBX E OBXa (1979)
A Oberheim lançou o sintetizador OBX em várias configurações: quatro, seis ou oito vozes, com 32 memórias de programa e portamento polifônico. A versão otimizada desse instrumento – chamada OBXa – possui a habilidade de dividir o teclado em duas regiões (o conhecido split) ou mesclar dois timbres para que sejam executados conjuntamente (layer). Ambos os modelos possuem dois osciladores, dois geradores de envelope, duas formas de onda somente (pulso e dente-de-serra) e arpegiador. A grande inovação fica por conta do conceito da “página 2” no acesso às funções, em que uma segunda função, não descrita no painel, pode ser acessada pelo mesmo conjunto de botões.

Ouça

“Samba L.A.” – Chick Corea
“Tubular Bells” – Mike Oldfield
“Jump” – Van Halen

 

 
SAMPLERS E SAMPLE PLAYERS

PPG WAVE (1981)
Este teclado alemão nunca foi um campeão de vendas, mas é conhecido como um dos primeiros sintetizadores digitais. Híbrido digital/analógico, seus osciladores podiam gerar quase duas mil diferentes formas de onda, algumas criadas a partir de amostras de instrumentos acústicos como sax e piano, e tratá-las por meio dos circuitos analógicos. No modelo 2.2, apenas períodos muito curtos dos samples podiam ser reproduzidos. Na versão 2.3, foram implementados dois modos de trabalho: um por meio de osciladores analógicos e outro em modo sampler, no qual toda a memória se convertia para a execução das amostras. É possível transferir formas de onda de um modo a outro, o que o torna bem interessante. Além disso, é multitimbral, podendo reproduzir até oito wavetables ao mesmo tempo. O painel frontal é dividido em dois setores: o Analog Control Panel, que possui todos os controles analógicos, à esquerda, e o Digital Control Panel, situada à direita. A máquina tem também um sequencer de oito pistas que permite a gravação de muitas funções como alterações de pitch, formas de onda e envelopes de filtro. Conta ainda com interface MIDI. Sem dúvida, um instrumento avançado para a época!

Ouça

“Addicted to Love” – Robert Palmer
“Underground” – David Bowie

 

E-MU EMULATOR (1981)
Embora não seja um sintetizador, o Emulator – primeiro sampler digital comercialmente interessante (abaixo dos dez mil dólares) – não poderia ficar fora da lista. Seu nome de batismo na verdade era sampler e foi modificado para Emulator por razões de marketing. Foi concebido como a proposta da E-mu Systems, uma fabricante de sintetizadores, para enfrentar o Fairlight, com custos mais baixos, portanto barateando o produto. Baseado nas experiências do time de engenheiros da E-mu com os chips DMA (Direct Memory Access) utilizados em microcomputadores, o Emulator possuía vários deles juntos, formando um subsistema de memória capaz de reproduzir oito notas ao mesmo tempo. Isso criou a base de todos os samplers atuais: o compartilhamento de memória. O equipamento disponibilizava apenas um filtro passa-baixas com um controle de freqüência de corte e não possuía o tradicional envelope de filtro. Em 1982, a versão 2 chegava ao mercado ainda mais barata e com maiores recursos. O Emulator II é baseado no mesmo processador Z80 da primeira versão, mas aperfeiçoado, com oito canais de saída de áudio independentes, memória de 1 MB e um excelente sistema operacional baseado em disco, com um display em LCD. Sua taxa de amostragem é de 27,777 kHz e resolução de 8 bits. O primeiro modelo possuía apenas 512 kB de memória, um único disk drive de 5.25”e nenhum hard disk. Com o barateamento desses componentes, novos modelos foram sendo introduzidos no mercado.

Ouça

Stevie Wonder – possui o Emulator de número serial 001
David Bowie
Depeche Mode
Tangerine Dream
Genesis
Philip Glass
Herbie Hancock
Kraftwerk
Marillion
New Order
Vangelis
“Broken Wings” – Mr. Mister

 

 

OS DIGITAIS
YAMAHA DX7 (1983)
O DX7 é apenas um membro da família criada pela Yamaha durante a década de oitenta. Mas, sem sombra de dúvida, é o sintetizador mais popular já fabricado. O sistema que a série DX utiliza para criar timbres é chamado síntese FM (Frequency Modulation). Basicamente, consiste em uma série de operadores (análogos aos osciladores analógicos) controlados por um amplificador. Nada de novo, se não fosse a possibilidade de configurar esses operadores em diferentes padrões de interconexão. É possível ligá-los em paralelo, ou com alguns modulando o sinal de outros, em 32 diferentes disposições, chamadas algoritmos. Todo esse sistema foi colocado em um chip e este acoplado a um teclado sensível à velocidade e pressão de toque. Somados a isso, o equipamento ainda oferece polifonia de 16 vozes e interface MIDI. Em sua época, foi uma verdadeira revolução e reescreveu a maneira como a síntese sonora caminharia, além de deixar para trás toda a concorrência.

Ouça

“Ribbon in the Sky” – Stevie Wonder
“Love Walks In” – Eddie Van Halen
“Take On Me” – A-Ha
“The Celts” – Enya
“Africa” – Toto (Steve Porcaro e David Paich)

 

KURZWEIL K250 (1984)
O inventor Raymond Kurzweil desenvolveu uma revolucionária máquina de leitura para cegos que “escaneava” materiais escritos e os lia com voz sintetizada. O músico Stevie Wonder, usuário dessa máquina, pediu ao inventor que criasse um instrumento eletrônico que misturasse a riqueza dos sons acústicos com a possibilidade de controle e edição dos sintetizadores. Os engenheiros da Kurzweil desenvolveram, então, o primeiro sample player baseado em ROM, capaz de reproduzir toda a complexidade dos instrumentos acústicos: o K250. Lançado em 1984, esse equipamento possui 88 teclas de madeira, sensíveis à velocidade de toque, seqüenciador de doze pistas e capacidade de doze mil eventos, recheado de ferramentas de edição, multitimbralidade de 12 partes, sampler opcional, 341 presets, capacidade de reproduzir até 87 splits, seis layers e 31 samples por configuração, MIDI e Tape Sync. O painel frontal possui 43 botões de função, todos com LEDs, um teclado central alfanumérico e um display de duas linhas. Seu “Kurzweil Grand Piano” é, sem dúvida, um dos mais realísticos timbres de piano acústico já produzidos por um instrumento eletrônico. Na realidade, o K250 pode ser considerado como a primeira workstation digital de qualidade produzida, embora seu preço não fosse dos mais populares e essa categoria não tenha sido fixada por ele.

Ouça

Stevie Wonder
Chick Corea

 

ROLAND D-50 (1987)
Em 1987, quando os músicos já estavam ficando cansados dos timbres analógicos e da “frieza” do DX7, a Roland lançou no mercado um novo sistema de síntese sonora: LA (Linear Arithmetic). Esse sistema utiliza 32 “partials” e sete “structures”. Até quatro partials podem ser usadas para criar uma única voz. Cada uma delas possui um gerador de onda, um filtro e um amplificador variáveis no tempo. Os geradores de onda podem usar sons PCM armazenados na memória ROM ou uma forma de onda básica. A combinação das operações de cada partial pode ser feita dentro de cada uma das sete structures. Parece complicado? Podemos tentar simplificar ao dizer que os sons eram formados por uma onda PCM, ou seja, apenas de ataque (transiente). Os timbres sustentados eram feitos por meio de osciladores com formas de onda como a quadrada, a dente-de-serra etc. Com a tecnologia LA, a Roland conseguiu timbres mais realísticos do que aqueles produzidos pela síntese FM. O D50 foi o primeiro teclado a utilizar essa síntese e possui 16 vozes de polifonia e 64 patches. Além disso, o que o diferenciou de todos os outros teclados da época foi a presença de um processador de efeitos embutido com 16 tipos de reverb, além de chorus e equalização.

Ouça

“Orinoco Flow” – Enya

 

KORG M1 (1988)
O Korg M1 foi o primeiro teclado a combinar timbres realísticos, baseados em PCM, drum machine, sequencer e processador de efeitos em uma unidade compacta. Disputa com o DX7 o posto de teclado mais vendido da história. Mas, além disso, inaugurou uma nova categoria para os instrumentos musicais: a workstation. O equipamento apresenta a síntese AL, que processa o sinal por meio de quatro seções: os geradores de onda PCM, o Filtro Digital Variável, o Amplificador Digital Variável e o processador de multiefeitos. Três modos de performance – multi, layer e split – e cem alocações de memória garantem a versatilidade do instrumento. O M1 é equipado com a função Multi-Mode que permite ao músico programar até oito patches em diferentes seções do teclado e executá-las como oito sintetizadores separados. O seqüenciador de oito pistas armazena um total de até dez canções e cem patterns, com capacidade total de memória de 7.700 eventos (ou 15.400 com RAM card). Seu grande trunfo, porém, foi a implementação da Dynamic Voice Allocation (Alocação Dinâmica de Vozes) que tira do músico a obrigatoriedade de fixar um número de notas máximo para cada parte multitimbral, trabalho esse realizado pelo próprio software.

Ouça

“Tubular Bells” – Mike Oldfield

 


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