Porque “Jass”


Jass ou Jazz? A origem e a grafia do nome confundem-se com a própria história do gênero. Ao ver um duplo “S” em vez do duplo “Z”, todos pensariam ser um erro. Mas não é o caso. Acreditem: esta grafia também é correta

Segundo Andres Francis, em seu livro “Jazz”, o termo teria origem quando da chegada das primeiras orquestras em Chicago. Os músicos sindicalizados da cidade fizeram o possível para impedir que os novos “colegas” se instalassem. Trataram sua música “suja” por todos os nomes, particularmente “Jass”’ ou “Jazz music”, o que, na gíria dos negros americanos de então, significava todas as variações da relação sexual. Ainda segundo Francis: “a palavra intrigou o público a tal ponto que o primeiro a utilizá-la como slogan publicitário (o músico branco Tom Brown), atraiu a curiosidade das multidões”. Mas essa colocação de Francis pode ser muito exagerada.

As primeiras manifestações de Jazz (ou Jass) ocorreram por volta da década de 1910. Naquela época, uma referência dessas não causaria furor, mas sim horror e pânico. Eubie Blake, pianista que morreu centenário, explicou: “Nunca pronuncio a palavra “Jass” diante de uma dama; é uma palavra muito suja. Minha música é o ragtime”. Segundo François Billard (em “No Mundo do Jazz”), a divulgação dessa palavra aconteceu em parte com o lançamento, em 1916 ou 1917, do primeiro disco da Original Dixieland Jass Band (ODJB) e se tornou um achado comercial: “(…) adivinha-se que ela não descreve uma música e não pode traduzir um fenômeno musical bem anterior, do qual encontramos vestígios desde o início do século (inclusive na forma de discos)”.

Voltando a Eubie Blake, o pianista: “um dia, enquanto minha mãe trabalhava, eu estava tocando em casa. Ela era muito religiosa e, ao entrar de repente, gritou: ‘Não admito ragtime em minha casa!’ Na época, o ragtime era uma música de lugares mal afamados, bordéis, salas de fundo de bares”. Vê-se que o ancestral não era muito mais apresentável do que o descendente e que o termo Jass (ou Jas) não poderia ser utilizado com facilidade. O que acontecia é que um novo estilo de dança estava se infiltrando no universo pop(ular) de então – povoado por foxtrot, black bottom, charleston, lindy hop, big apple, trucking entre outras, todas danças derivadas dos cabarés do Meio-Oeste e, mais tarde, dos salões do Harlem – e havia necessidade de rotulá-lo.

Preconceito
Francis Newton, em “História Social do Jazz”, é mais claro: “(…) o termo Jazz (ou Jass, Jas ou Jaz) passou a ser usado como um rótulo genérico para a nova música de dança, já que poucos sabiam, até então, que esse era o termo  e gíria africana para relação sexual.(…) O interessante a respeito dessa moda é que, desde o início, ela não era vista simplesmente como mais uma – e talvez monstruosamente deplorável – onda de música pop, mas como um símbolo, um movimento. Os moralistas, é claro, declararam guerra a ela imediatamente, mostrando, como sempre, uma fantástica incapacidade de resolver se sua objeção estava na associação com o submundo ou com as classes  inferiores.”. O autor cita ainda um “desabafo” publicado em 20 de junho de 1918 no jornal The Times-Picayune, de Nova Orleans, que vale a transcrição: “Por que, então, a música de Jass e a banda de Jass? Pergunte-se, igualmente, o porquê da novela barata. Tudo é manifestação de um traço inferior do gosto humano, que ainda não foi consertado pelo processo de civilização. Na verdade, poderíamos ir mais longe e dizer que a música de Jass é   história indecente, sincopada e contrapontuada. Como as anedotas impróprias, ela também era ouvida com rubor, atrás de portas e cortinas fechadas, mas, como todos os vícios, se tornou mais ousada, até penetrar nos lugares decentes, onde também foi tolerada por causa de sua estranheza… Dá um prazer sensual maior do que a valsa vienense ou do que o refinado sentimento e a emoção respeitosa de um minueto do século XVIII. Em matéria de Jass, Nova Orleans está especialmente interessada, já que foi amplamente sugerido que essa forma particular de vício musical nasceu nesta cidade… Não reconhecemos a honra da paternidade, porém diante de tal história sendo  propagada, caberá a nós sermos os últimos a aceitar tal atrocidade em meio à sociedade educada?”

“O execrável Jazz tem de desaparecer!”, clamava o Ladies’ Home Journal em 1921. Um clérigo chamado Stephen T. Wise, assegurava que “quando a América recuperar sua alma, o Jazz desaparecerá – não antes. Vale dizer que será relegado aos sombrios locais de onde veio, para secar sem pena (…)”. Mas o Jass não só não desapareceu como buscou sair do gueto. Mais uma vez, Francis Newton: “O concerto de Paul Whiteman, em 1924, destinado a estabelecer as credenciais acadêmicas para o ‘Jazz sinfônico’, mereceria todo o desdém dos caras realmente bons, porém não houve oposição, pois a intenção era trazer o Jazz para o palco de concertos. (“Rhapsody in Blue”, de Gershwin, foi apresentada pela primeira vez naquela ocasião e é um exemplo respeitável de música light influenciada pelo Jazz). O Jazz ansiava por um reconhecimento maior do que o de mera música de dança desde que havia surgido.”

Hoje o Jazz é reconhecido (o que não significa que seja compreendido), é universal e não mais restrito aos “sombrios locais de onde veio”, distanciando-se do significado de uma velha gíria africana Jass (Alex Saba). 

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