Juninho Carelli – as teclas do metal nacional


A48A9748Integrante do Noturnall,  Juninho Carelli é um exemplo do novo papel do tecladista em uma banda de heavy metal

Tirar o tecladista do fundo do palco: esse parece ser o objetivo de Juninho Carelli – que forma ao lado de Fernando Quesada, Thiago Bianchi, Aquiles Priester e Léo Mancini a banda de heavy metal Noturnall, representante brasileira do estilo no Rock in Rio 2015. Com performances que lembram o vigor dos ícones do rock progressivo da década de 1970, o tecladista reforça o apelo visual utilizando desde estantes móveis e giratórias até equipamentos como iPads e pulseiras controladoras. Contrariando a aparente incoerência entre a música religiosa e a secular – ainda mais se tratando de heavy metal – Carelli acredita que a postura do tecladista deve mudar.

Seu início foi na igreja. Como vê a importância disso na formação musical?
O gospel sempre esteve muito ligado à música. Grandes nomes, tanto da música do Brasil quanto mundial, passaram por essa experiência e cantaram no coral da Igreja. Porque os evangélicos são uma galera muito ligada à música, o tempo inteiro. Eles usam isso para quebrar seu coração e poder falar de Deus. E isso dá palco, toda semana. Todo fim de semana, quem é músico e está na Igreja, tem palco. Diferentemente do cara que toca na garagem e fica tocando pra ninguém ver, há uma responsabilidade. E aí o desenvolvimento musical é rápido, independentemente de religião. Se pegarmos os percussionistas da galera da umbanda, por exemplo, o pessoal desce a mão. São caminhos que você tem para tocar todo dia. E tocar todo dia é o segredo para tocar bem. É a repetição, fazer sua memória mecânico-muscular se adequar ao instrumento. Você e seu instrumento tem que se tornar uma coisa só. Quando você tem muitas oportunidades de fazer isso com responsabilidade, isso acontece. É diferente de tocar sozinho na garagem e nem saber se está certo ou errado. Na Igreja, há uma galera te vendo. Se você errar, você vai quebrar o louvor da pessoa, então você tem uma responsa. Isso me influenciou muito a querer ser músico e progredir.

Como foi sua trajetória até o Noturnall?
Eu comecei com o Evaristo Fernandes tecladista do Voz da Verdade. Ele foi meu primeiro professor. Depois fui para a Fundação das Artes em São Caetano do Sul e terminei o conservatório. Fiz muitas amizades lá. Uma delas foi com Carlão Ferreira, professor da Fundação que eu conheci quando tocava trombone na banda marcial do colégio. Esse cara foi meu padrinho musical. Ele me viu tocando piano, gostou e me levou para tocar com gente que eu nunca imaginaria. Toquei piano com a orquestra que acompanhou Ray Conniff, quando eu tinha 13 anos, porque ele estava nesse meio e me colocou no mercado, literalmente. Ele me pôs para tocar com orquestras de baile, esse esquema que a galera chama de “pé inchado”, aqueles músicos que já tocaram com todo mundo na década de 1970, carregados de história (risos). E eu, com 13 anos, estava nesse rolê. E me deslumbrei. Cai no meio musical de cabeça. Fiz faculdade de Rádio e Tv e Publicidade, mas minha vida sempre foi no show business, sempre envolvido com música, tocando em bailes, fazendo bar… Toquei muito tempo com a Kelly Moore, uma cantora de salsa. Por causa dela, um dia, alguém me viu tocando e me convidou para entrar na banda do Pânico na TV. Conheci o Fernando (Quesada) numa
produção e acabamos ficando amigos. Abriu-se uma porta para entrar no Shaman e fui. Fiquei levando as duas bandas – o Shaman e a Viva a Noite, do Pânico – até o Shaman se transfomar em Noturnall, há uns quatro anos.

A música gospel aqui no Brasil é muito baseada na música americana, não?
Muito. A Voz da Verdade copiava Elvis de monte (risos).

Isso traz uma base muito grande para o músico?
A gente tem uma vertente musical brasileira muito forte. E tem muita gente que gosta da vertente de lá. Mas você pega música brasileira e os caras não conseguem tocar. Temos o nosso mérito, mas lá tudo é muito mais acessível. Eles crescem ouvindo música. Quando você é de Igreja, você cresce ouvindo música e tem palco toda semana. Eles tem isso na escola! Então, mais pessoas tem mais chances de ter mais contato com música. Eles tem mais história com ensino musical. Quando um gringo vê um brasileiro tocando, ele se impressiona tanto quanto a gente quando vê um americano fazendo jazz.

Como foi sua formação?
Eu estudei erudito, mas fui para o popular. Nunca curti ficar preso à partitura. Uso técnica erudita, mas nunca curti interpretar o que já estava escrito. Eu gostava daqueles jazzistas que tinham uma guia para fazer e depois era puro coração. Aquilo me chamou e fui para o popular, jazz, fusion, rock and roll. Quando vi os tecladistas do Dream Theater tocando, eu tinha 13 ou 14 anos, percebi que eu gostava de ser pianista e gostava de tecnologia, “Vamos tentar fazer isso ser lucro…” (risos)

Em que um tecladista que teve sua formação na igreja precisa se aperfeiçoar para ir para uma banda de heavy metal?
O estilo gospel era o estilo em que os negros debulhavam na voz e nos instrumentos. Há uma história no gospel de o instrumental ser muito rico. O piano no gospel é superexigente. E o heavy metal é muito técnico. O heavy metal vem do lance do blues, do rock, e alinha com o erudito. O heavy metal tem muito disso e da mistura ser livre. Então há heavy metal com música brasileira, andina (que era o que o Shaman fazia). E para fazer essas misturas o músico tem que ser tecnicamente bom. O gospel traz isso. Você sair do gospel para fazer heavy metal é um passo pequeno. Não vejo um passo tão distante. Os músicos de igreja são muito bons.

Qual o papel do tecladista em banda já que, hoje em dia, se monta uma apenas com guitarra, baixo e bateria?
O grande lance está em como se posicionar, e não se o teclado faz falta ou não. Ter o teclado numa banda de rock é tão legal quanto ter uma guitarra. Atualmente, principalmente com a modernização da música, com esse lance da música eletrônica, os tecladistas ficam mais backstage ainda. O cara faz a programação e solta no show. Com esse lance do eletrônico, o cara virou mais um programador do que um instrumentista. E se você pegar bandas mais modernas, o visual do tecladista passou a ser menos explorado. E isso é uma indignação minha. O quanto um batera leva gente para ver um instrumental, um evento de batera, e quanto um tecladista não atrai. Eu acho que o mercado acabou se moldando a isso, por esse lance do visual e do eletrônico. O cara às vezes não é o “tocador”, mas o “disparador de sampler”. E esse é o tecladista, muitas vezes, da modernidade, coisa que evito para mim. Eu uso muita tecnologia de ponta, mas tem que tocar. Eu sou um cara que gosta de tocar. De formação, sou pianista.

Você está tentando reverter também a questão da imobilidade do tecladista…
Há esse lance de ser o guitarrista quem mais aparece porque tem liberdade de ir pra frente do palco. É o visual. Quando se fala de música, se pode falar da música que se ouve em casa e da música de show. Há duas situações. Se você ouve em sua casa, no rádio, não está vendo a banda. Mas quando você está vendo a banda, é outro impacto. Se forem cinco caras que ficam paradinhos tocando, vai ser um impacto. Se for a mesma coisa, os caras tocando tanto quanto, mas se mexendo, tendo interação com o público, é muito mais legal. E o tecladista é amarrado, porque tem que ficar lá atrás. Os caras do forró são ousados (risos). Eles penduram o teclado, tocam com ele no ombro… Esses não são “nerds”. E tocam bem! Gosto do tecladista que quer aparecer, que quer mostrar o som, que briga com o guitarrista: “você vai fazer cama, agora é minha vez”! (risos) Por isso uso pedestal inclinado que se mexe, gangorra que fica num “balancê” infinito…Tudo isso é a síndrome do guitarrista: “vamos aparecer, vamos descolar o instrumento do palco”. Estou sempre tentando trazer uma coisa nova, como tocar com o iPad. Tive como referência o Jordan Rudess que é, inclusive, um desenvolvedor de apps. Acho sensacional a tecnologia “tocável”, não a “programável”, para se decolar do palco e ser mais um cara na frente, um frontman.

 

 

 

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