Escalas


A importância da compreensão e do domínio das escalas vai muito além da execução correta e precisa

Na opinião de grande parte dos alunos, o estudo de escalas é um dos exercícios mais maçantes da técnica pianística. A repetição dos desenhos, aliada à aparente ausência de musicalidade e a impressão errada de “perda de tempo”, faz que a maioria deles prefira debruçar-se sobre outras práticas mais prazerosas, como peças de repertório, por exemplo. Mas se esquecem de que por trás dessas sucessões de notas escondem-se elementos fundamentais para o desenvolvimento de sonoridade, agilidade e, não menos importante que elas, compreensão das estruturas de composição e improviso.

Origens
Desde a teorização da música pelos gregos, por volta de 6 mil a.C., e em culturas mais antigas como a chinesa, a  egípcia e a judaica, a criação e a utilização de uma seqüência de notas como base para a formação de melodias é prática comum. Até mesmo na arte hindu, que utiliza um sistema baseado em partes ínfimas de tom, as ragas – espécie de escala com personalidade particular – são usadas.

No sistema tonal tradicional do ocidente, descendente direto das culturas grega e judaica, as escalas ganharam contornos mais definidos por volta do século IV, quando o Papa São Gregório Magno fez uma coletânea de peças dos hoje chamados cantos gregorianos, publicando-as em dois livros: o Antifonário, conjunto de melodias referentes às Horas Canônicas, e o Gradual Romano, contendo os cantos da Santa Missa.

De pentatônicas e hexafônicas (cinco e seis sons respectivamente), as escalas passaram a heptatônicas (sete). As  diatônicas, estabelecidas atualmente como os modos maior e menor, são base de praticamente toda música   ocidental composta nos últimos 400 anos. Para a execução desse repertório, portanto, o domínio desse elemento é fundamental. Alguns estilos, em função de sua composição estética, necessitam mais delas, como no improviso do bebop ou nos adornos do barroco. Mas não só essas devem ser objetos de atenção. Para quem se dedica, por exemplo, ao estudo do flamenco, que tem sua origem nas escalas árabes, a perfeita e rápida execução delas é incondicional.

bach

J. S. Bach – Invenção a Duas Vozes nº 4, em Ré menor – excerto

Cada estilo e época demanda uma especialização em diferentes formações intervalares. Desde o pré-barroco, passando por movimentos como o classicismo e o romantismo, as escalas tiveram papel preponderante  tanto na composição quanto na improvisação ou na busca pela técnica perfeita. A base da boa interpretação de obras desses períodos é o domínio da estrutura e o desempenho irretocável. Mas elas têm aplicação não apenas na música erudita. Para o blues, as escalas mais utilizadas são as blues – maior, menor e full – e a pentatônica. O estudo delas é fundamental, principalmente por conta dos improvisos, em que são muito utilizadas.

W. A .Mozart – Primeiro Movimento da Sonata em Do Maior, K 545 - excerto

W. A .Mozart – Primeiro Movimento da Sonata em Do Maior, K 545 – excerto

Para quem não pretende trafegar por diversos estilos, conhecer todas as maiores e menores é o mínimo, já que a música radiofônica não vai muito além disso. Daí para frente, quanto maior o vocabulário de escalas, maior a  facilidade do músico ao se deparar com novos desafios musicais. Em muitos casos, a variedade de repertório  estrutural pode valer a pena.

Com a globalização da informação e a miscigenação artística, ademais, não basta  conhecer apenas o básico. Cada tradição oferece um novo mundo, uma forma diferente de construir escalas e sons. As orientais (indianas, árabes, balinesas) não se baseiam no sistema temperado ocidental. Nessas culturas, são  encontrados universos sonoros riquíssimos e uma abordagem totalmente diferente.

Técnica
Em um universo em que o posicionamento de mãos e a movimentação de dedos podem definir a capacidade de um músico, a agilidade é, muitas vezes, priorizada. De nada adianta, porém, ser ultrarrápido se as notas não soarem com  clareza. Ao contrário do que a maioria pensa, não é apenas para adquirir rapidez que a dedicação a esse fundamento é prioritário. “É inevitável, até certo ponto, o estudo de exercícios de escalas”, escreveu Walter Gieseking, pianista alemão nascido em 1895 e morto em 1956, em seu livro Como Devemos Estudar Piano. “Ele tem por fim igualar os  dedos. Cada nota deve ser tocada com a força determinada e o sentido certo para essa energia exige um forte treino do ouvido”, aconselha. E não apenas da audição depende o músico para assimilar e aprender a utilizar as escalas, sejam quais forem: o cérebro deve trabalhar tanto quanto os dedos.

Para cada tonalidade existe um dedilhado diferente e, por conseqüência, uma técnica diversa. A repetição desmedida, portanto, sem o entendimento dos movimentos necessários para a boa execução, assim como da
estrutura de cada uma e a utilização que podem ter, não é prática das mais produtivas. Muitos professores, apoiados
em modismos, ensinam as escalas de maneira mecânica, em que só importam a velocidade e o exibicionismo. O correto é uma abordagem mais completa, com o estudo das características tonais, por exemplo. E esses elementos muitas vezes desprezados, podem ser um auxiliar precioso. Com esse conhecimento, se adquire uma visão mais abrangente do que está sendo tocado, o que facilita a assimilação da técnica.

Muitos alunos abandonam a tarefa de assimilar a execução das escalas por entendê-la extremamente cansativa e
entediante, comprometendo tanto seu desenvolvimento técnico quanto o teórico-interpretativo. E motivos não faltam para que se arrependam posteriormente.

As maiores dificuldades encontradas para a boa execução das escalas são a falta de dedicação, o posicionamento incorreto das mãos e dedos e a falta de incentivo por parte do professor. É consenso, porém, que não há nada melhor, para um aluno que apresenta certa aversão a determinado exercício que despertar o senso prático
dele. É preciso encontrar um contexto de aproveitamento, em que o aluno possa, musicalmente, visualizar a escala sendo aplicada e o resultado dela.

O estudo das escalas
“Qualquer escala pode ser considerada, dentro da extensão de uma oitava, como sendo composta de dois fragmentos
típicos que depois, na continuação, vão se repetindo sem variar”. Quem faz tal afirmação é Antonio Sá Pereira no livro Ensino Moderno de Piano, em que direciona alunos e jovens professores no domínio das dificuldades técnicas inerentes ao estudo do instrumento. Segundo ele, o dedilhado típico de qualquer escala, mesmo aquelas que não são iniciadas com o polegar, é 1-2-3, 1-2-3-4. Por conta disso, a melhor maneira de estudá-las é preparar a ligação desses dois grupos e a passagem do polegar por baixo da mão e desta por cima dele.

Nesta postagem anterior, foram abordadas a passagem do polegar e a execução das escalas maiores de Do, Sol, Ré, Lá e Mi, em que, no movimento contrário, as passagens de polegar são  feitas simultaneamente nas duas mãos. A seguir, tratraremos das escalas maiores de Si, Fá# e Dó#.

Si Maior
Na escala maior de Si, na mão direita, é fácil verificar o dedilhado típico 1-2-3, 1-2-3-4.

SIM-MD

Na mão esquerda, o dedilhado fica claro no sentido descendente.

SIM-ME

Fá# Maior
Na escala maior de Fá#, o dedilhado da mão direita se inicia com o dedo 2 (por se tratar de uma tecla preta), mas a progressão 1-2-3, 1-2-3-4 continua existindo.

FA#M-MD

O mesmo ocorre na mão esquerda:

FA#M-ME

Do# Maior
A escala maior de Do# segue praticamente o mesmo dedilhado:

DO#M-MD

O mesmo ocorre na mão esquerda:

DO#M-ME
Tratamos as escalas de Fá# Maior e Do# Maior de forma diferente da de Si Maior porque é mais fácil estudá-las com as mãos juntas em movimento paralelo.

Lembre-se: estude as mãos separadamente até absorver o dedilhado típico 1-2-3, 1-2-3-4 antes de tentar juntá-las.

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